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Que fraqueza?
Ciro e Rose são frutos de uma bela paixão entre o comerciante português, Nunes, e sua  funcionária, a   moça do interior, Marta, filha de um pequeno empresário, dono de  engenho, onde  eram fabricados a famosa  cachaça  “A vencedora”, açúcar mascavo, rapadura, melado de cana e o famoso tijolo de casca de laranja, que,  na verdade, era a rapadura acrescida da entrecasca da laranja da terra, muito apreciado na região.

Muito dedicada e competente, Marta galgou em pouco mais de um ano os postos que quase sempre se levam anos para conquistar. Da experiência de três meses como balconista, passou direto para o caixa. O jeito como organizava os mapas para registrar a venda de cada balconista, chamou a atenção do Sr. Nunes, que lhe perguntou onde aprendera aquela maneira prática de fechar a folha? Ela disse que nunca fizera aquilo, mas, concluíra sozinha, que, daquela maneira seu trabalho seria mais rápido ao final do dia, para fechar o caixa.

Para surpresa de todos, passados três meses no caixa, o patrão levou-a para o escritório, lhe ensinou a preencher os livros de entrada e saída de mercadoria, a folha de pagamento e conferir os talões de nota fiscal usados no balcão. Ao final do mês, o contador passava e assinava tudo. Era muito trabalho, mesmo assim, Marta dava conta de tudo. Ela sempre fora muito elétrica, desde pequena, e gastava suas energias nadando no rio de sua cidade natal.

Marta começou a trabalhar em março de 1961, em agosto de 1962, casava-se com o apaixonado patrão. Ela com dezoito anos e ele com trinta e cinco. O sonho de Nunes de ser pai, logo se concretizou, era apaixonado por crianças e vivia lembrando os sobrinhos que ficaram em Portugal. Falava com frequência da Çãozinha, que o chamava de tio Bita. Quase sempre se emocionava ao falar, lembrava ter saído às escondidas, pois se visse a mãe chorando não teria coragem de vir para o Brasil.

O nascimento de Ciro foi um grande presente que receberam, uma festa na vida do casal. Nunes presenteou a esposa com uma pulseira escrava de vinte e duas gramas e meia de ouro dezoito, e, escreveu um cartão como se fora o filho. Um ano e quinze dias depois, receberam o segundo presente, Rose chegava para completar a alegria daquele lar.

Cinco anos depois, aos quarenta anos, as sequelas de uma meningite sofrida aos dezoito, começaram a se manifestar. Primeiro o rin direito, que segundo os médicos, pode ter parado por ocasião da doença, apresentou uma infecção grave e teve de ser suprimido. Aos quarenta e três sofreu um AVC e ficou inválido em consequência do qual faleceu dez anos depois.

Na ocasião do derrame, Ciro tinha sete anos e Rose seis. A situação financeira se complicou. Quando fez nove anos, o sonho do menino era ganhar uma bicicleta caloi para o tamanho dele. Apesar do derrame, o pai estava lúcido e ainda andava; fez questão de comprar a bicicleta para o filho. Na manhã do dia 25 de dezembro, foi aquela euforia. À época moravam em um apartamento de primeiro andar. O menino desceu as escadas com a bicicleta e os pais o seguiram. Era uma rua tranquila de uma cidade pequena e ele estava acostumado a ir para escola sozinho com a irmã. Nunes e Marta subiram. Passados uns quinze minutos, ele chegou suado e subiu para beber água. A mãe perguntou pela bicicleta e ele disse que estava na porta, pois ainda queria andar mais.

Desceu a escada correndo, e pouco depois, voltou chorando, tinham roubado sua sonhada bicicleta. Os pais e os vizinhos saíram procurando nas ruas próximas, tudo em vão. Foi difícil consolá-lo. À época os pais não tinham condições de comprar outra. Ele com os trocados que ganhava, ora da mãe, ora do pai, começou a comprar peças de bicicleta. Cada vez que encontrava uma ficava todo contente. Chegou um momento em que só faltava o quadro e precisava completar o dinheiro para comprar. A situação dos pais estava difícil. Um dia, a mãe que era professora, chegou e ele estava com a bicicleta montada. Ela perguntou com que dinheiro ele comprara a peça? Ele contou que pegara o carrinho de mão, enchera de abacates do quintal e vendera para a vizinhança a cinquenta centavos cada um.

Desde os nove anos, atravessava a rua e ia ao banco pagar as contas para a mãe, que trabalhava os três turnos. Aos catorze, Marta fez uma reforma na casa e foi Ciro quem fez toda a instalação hidráulica. Os últimos dois anos de vida de Nunes, já prostrado, sem poder ficar sentado era o  filho quem ajudava a mãe dar banho ao pai. Sem nunca se revoltar.

Quando a mãe comprou seu primeiro carro, depois que o marido adoeceu, Ciro com 15 anos e Rose com 14 acompanhavam a mãe nas aulas de direção e os três aprenderam a dirigir ao mesmo tempo.
Aos dezessete começou a trabalhar de carteira assinada, como assistente de sua professora de Análise Clínica, no colégio onde estudava. Aos dezoito tirou a carteira de motorista e passou a cuidar do carro, fazia a revisão e o mantinha sempre brilhando. Mesmo fazendo tudo que era necessário, tinha muitos amigos e se divertia como qualquer adolescente de sua idade.

Aos vinte e dois anos, resolveu abandonar a faculdade de administração para se casar, pois os pais da namorada iam voltar para sua terra natal; então, ela disse que se voltasse com eles,  terminaria o namoro, já que não pretendia ter um namorado morando tão longe. Ele apaixonado, pediu-a em casamento e deixou a faculdade para trabalhar. Hoje, trabalha de segunda a sábado em uma grande firma e está melhor do que muitos colegas que concluíram a graduação.

Onde está a fraqueza deste homem que não tem nenhum vício? E trabalha incessantemente, aceitando todo trabalho extra que lhe é proposto, para que sua família tenha tudo do melhor, muitas vezes, olvidando palavras que o depreciam para manter a harmonia do lar? Fraqueza é roubar, se drogar, praticar todo tipo de corrupção, enganar os outros para se sentir superior, agredir a mulher e os filhos e tantas outras violências que se ver por aí.
Benedita Azevedo
Enviado por Benedita Azevedo em 28/02/2012
Alterado em 23/10/2012


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